***Vol. 2, Nº 009 / 2020 - 10/02 (SAÚDE) *Cultura Luciano de Sampaio

Sanidade aos Pedaços

Luciano de Sampaio

Este não é mais um texto sobre o Corona. Aliás, eu gostaria de nem mencionar o Corona, mas reconheço que no nosso contexto – em especial aqui, no interior de Rondônia – isso seria até mesmo irresponsável. O que quero, de verdade, é falar que quando a gente trata sobre saúde, estamos usando uma base latina que se refere principalmente “aos inteiros” – e é sobre “não estar inteiro”, o que esse texto quer jogar na roda. Sobre quando tudo à nossa volta (pois não podemos ignorar uma pandemia global) está fragmentado: as nossas relações quebradas em mensagens curtas de texto, ou em áudios que não serão ouvidos atentamente; em memes e vídeos que nem mesmo envolvem quem envia ou recebe.

A nossa falta de integridade emocional frente às dificuldades do isolamento, ou os nossos cacos de produtividade distribuídos entre conferências de Zoom/Meet/Skype… É sobre tudo que fica de fora do ângulo da webcam. Essas fraturas todas me trouxeram à memória uma técnica artesanal japonesa – se acostumem, eu sou um grande fã da tradição nipônica e isto transborda em mim – chamada kintsugi, ou “emenda de ouro”. A técnica é uma tentativa de se consertar porcelanas ou lacas quebradas juntando os pedacinhos da peça original com laca (um tipo de cola) misturada a pó de ouro. Quando aplicada, kintsugi deixa à mostra todas as marcas experimentadas pela peça original, mas devolve à fragmentação a capacidade de cumprir sua função, adicionando ainda um componente estético que não só é valioso como, também, diferencia ainda mais a peça reparada – tornando-a única, mesmo que originalmente fizesse parte de um conjunto.

Kintsugi é uma técnica que, para mim, serve também como metáfora. Ao longo de tudo que vivi nesses últimos quarenta anos, várias quedas surgiram. Em cada uma delas, eu – com muito esforço e dificuldade, admito – tenho tentado me transformar em uma peça cada vez mais única. Tento fazer com que ela não só me devolva à função original, mas que também me acrescente um pouco de valor e, principalmente, de beleza… Que quando o Corona passar, todos nós nos refaçamos em traços dourados e nos tornemos mais inteiros, únicos, e ainda mais belos.

Luciano de Sampaio

Fotógrafo
Mestre em Comunicação e Linguagens (UTP)
Professor de Comunicação Visual na Universidade Federal de Rondônia
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