Ninguém vive sozinho e, tanto é assim que, até para imaginar a solidão, na literatura são criados naufrágios e florestas inexploradas. O que, aliás, é inútil. Robinson Crusoé se juntava aos seus companheiros britânicos, ainda que sem reconhecer, toda vez que pensava ou falava em inglês; Mogli, mesmo que em sua infância não tenha convivido com seres humanos, “humanizou” os animais ao seu redor; e, Tarzan, demandou a “humanização” de sua mãe adotiva, para poder sobreviver.
A verdade sobre a fraternidade é que estamos com os outros, queiramos ou não. A fraqueza e – ironicamente – a força dos mamíferos se resume nisso: dependemos dos outros, formamos famílias, temos irmãos – ora, o próprio termo “fraternidade” é originado de “frater”, “irmão” em latim. Em português, poderíamos substituir fraternidade por “irmandade”, termo mais geral que filiação, porque somos o “filho” de apenas um pai e de uma mãe; mas, “irmão”, podemos ser do mundo, dos incontáveis, dos vivos e dos mortos – já que há, até mesmo, fraternidade com os que já se foram e, ainda, com os que nem vieram.
A solidão só pode ser reproduzida na imaginação e, ainda assim, com dificuldade: é mais fácil imaginar a “Terra do Nunca” de Peter Pan do que a terra sem ninguém, ou sem nada – daí temos, então, duas características humanas: não vivemos sozinhos e, também, humanizamos o mundo. Nos tornamos pedras e árvores, montanhas e vales, até animais: somos também irmãos de todos eles, tanto quanto já somos uns dos outros. O reconhecimento de nossa própria condição (e subjetividade) depende sempre de reconhecermos, antes, um “outro” que esteja em relação conosco; pois a fraternidade é um movimento recíproco, pelo qual nos vemos nos olhos do outro só quando damos, ao outro, o poder de ser um “sujeito” que nos veja – e, então, que seja feita a nossa irmandade, assim na terra como no céu.
Filósofo
Doutor em Filosofia
Professor de Filosofia na Universidade Federal do Paraná
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