Irritar-se e observar o mal estar passar é vencer o sombrio desafio e ser água-cachoeira. A caspa, a alergia e a irritação se fazem e se desfazem. Diluir-se na água, no vento, na montanha, na fogueira e nas embaúbas. Diluir-se no outro, nos outros, para então voltar a concentrar-se em si mesmo. Expansão e contração. Por fim, habitar o lugar onde o pé e a cabeça andam juntos. A pele expande-se, elástica, soltando-se e encompridando-se, numa horizontal arredondada e infinita. O complexo e contínuo circuito da pele, onde não há divisão: do dedo pra mão, pro braço, pro umbigo, pras costas, pra planta do pé. Ela existe em todas as direções na dimensão do nosso corpo. Não define o começo e nem o fim. Ouroboros.
Habitar a pele. Universo particular do encontro. O lugar que permeia nosso contato com o mundo, onde somos o invólucro, o que nos cobre, o que nos dá segurança, o que divide o dentro do fora. A pele torna possível o encontro. Num momento onde o ato de tocar ganha um valor diferente e aflora as nossas sensibilidades, e as nossas couraças também. Mundo duro e maravilhoso. Vigilância neste lugar, que pode estar tão rígido e inflexível que nada permeia, que nada circula. E quando permeia pode quebrar, porque a casca pode estar dura. Deixar-se permear mas, acima de tudo, proteger-se. Afinal, não somos os outros, mas os outros também nos constroem.
Esculpir-se a si mesmo. Conhecer as próprias fronteiras. Habitar a si mesmo para amaciar e flexibilizar a pele. Para que a verdadeira comunicação aconteça e nos dê a capacidade de ir e vir. É possível viver se nos deixarmos interferir, envolver – pelo outro, pela natureza, pelo meio – nos mergulhos de dentro para fora e de fora pra dentro. Recebendo, assim, o que a vida nos traz; e sendo, também, agente desta interferência. Reciprocamente.
Musicista (violoncelista)
Ministrante de Cursos em Educação Musical
Idealizadora do “O Movimento do Som”
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