***Vol. 1, Nº 003 / 2020 - 17/11 (IGUALDADE) *Cultura Emanuela Siqueira

Quem Você Tem Lido?

Emanuele Siqueira

Observe os livros na sua estante. Pense nos títulos que aquecem a memória, trazem experiências, tiraram você do senso comum ou, “apenas”, deram conforto. Destes, quantos foram escritos por mulheres? Pessoas negras e/ou indígenas? Quantos, ainda, por gente brasileira e/ou traduzidos? A professora e pesquisadora Regina Dalcastagnè (UNB), com o “Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea”, traçou um perfil do romancista brasileiro que é válido e, também, para aquele que é traduzido: homens brancos, de classe média, nascidos entre RJ e SP – o que também se reflete nas personagens, maioria heterossexual e moradoras de capitais.

A pesquisa analisa 692 romances (publicados em um período de, em média, 43 anos), e as conclusões dizem muito sobre o que se lê no país, mesmo que poucas pessoas afirmem que pegam um livro pensando no gênero, raça ou classe de quem escreveu. Dalcastagnè diz que a discrepância nas publicações não é exclusiva do meio literário, apesar de considerar uma obrigação da literatura colocar o problema em discussão. Pensar no conjunto de leituras feitas – seja por prazer, ou na obrigatoriedade do trabalho e da pesquisa – levando em conta quem escreveu, traduziu, editou ou revisou, também é parte da responsabilidade da pessoa leitora. As listas de mais vendidos, ou as ementas de disciplinas de universidades e de escolas, são feitas por pessoas, e correspondem a vários fatores do que se chama de “campo literário”, segundo Pierre Bourdieu.

Quando se fala de tentativas de igualdade em lógicas enraizadas na colonialidade, não basta reivindicar representação e atitude apenas de quem publica os livros, por exemplo. Os perigos de uma história única, como bem diz a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, são muitos – e só podem ser combatidos quando se questionam os próprios privilégios.

Emanuele Siqueira

Mestre em Estudos Literários
Crítica de Cinema no Elviras (Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema)
Mediadora no Projeto Leia Mulheres
Facebook / Instagram / Lattes

Posts Relacionados