Observe os livros na sua estante. Pense nos títulos que aquecem a memória, trazem experiências, tiraram você do senso comum ou, “apenas”, deram conforto. Destes, quantos foram escritos por mulheres? Pessoas negras e/ou indígenas? Quantos, ainda, por gente brasileira e/ou traduzidos? A professora e pesquisadora Regina Dalcastagnè (UNB), com o “Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea”, traçou um perfil do romancista brasileiro que é válido e, também, para aquele que é traduzido: homens brancos, de classe média, nascidos entre RJ e SP – o que também se reflete nas personagens, maioria heterossexual e moradoras de capitais.
A pesquisa analisa 692 romances (publicados em um período de, em média, 43 anos), e as conclusões dizem muito sobre o que se lê no país, mesmo que poucas pessoas afirmem que pegam um livro pensando no gênero, raça ou classe de quem escreveu. Dalcastagnè diz que a discrepância nas publicações não é exclusiva do meio literário, apesar de considerar uma obrigação da literatura colocar o problema em discussão. Pensar no conjunto de leituras feitas – seja por prazer, ou na obrigatoriedade do trabalho e da pesquisa – levando em conta quem escreveu, traduziu, editou ou revisou, também é parte da responsabilidade da pessoa leitora. As listas de mais vendidos, ou as ementas de disciplinas de universidades e de escolas, são feitas por pessoas, e correspondem a vários fatores do que se chama de “campo literário”, segundo Pierre Bourdieu.
Quando se fala de tentativas de igualdade em lógicas enraizadas na colonialidade, não basta reivindicar representação e atitude apenas de quem publica os livros, por exemplo. Os perigos de uma história única, como bem diz a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, são muitos – e só podem ser combatidos quando se questionam os próprios privilégios.
Mestre em Estudos Literários
Crítica de Cinema no Elviras (Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema)
Mediadora no Projeto Leia Mulheres
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