***Vol. 1, Nº 003 / 2020 - 17/11 (IGUALDADE) *Sociedade José de Macedo

Do “Quarto de Despejo” À Covid-19: A Igualdade (In)Existente

José de Macedo

Carolina, mulher preta, favelada, mãe de Vera, queria comprar um sapato para a filha de aniversário; mas, “o custo dos gêneros alimentícios nos impede de realizar os nossos desejos”. A filha recebe um par de sapatos retirados do lixo, lavados e remendados. O relato, relativo a algo que aconteceu em 1955, consta no livro “Quarto de Despejo”, de Carolina de Jesus. Em 65 anos o Brasil mudou, e muito. Tornou-se mais complexo e urbano. Cresceram a população, o PIB, os prédios e as favelas. Durante alguns anos, houve redução da extrema pobreza e da fome. Infelizmente, durou pouco. O país do futuro é, hoje, novamente, o país no qual milhões de pessoas não têm amanhã; a desigualdade volta a ser a nossa marca.

São muitas as desigualdades que nos constituem, além de gênero, raça e classe. Elas se entrelaçam e se corporificam. Possuem nome, apelido, orientação sexual, bairro; mas, nem sempre têm RG, CPF, emprego e o devido respeito dos Poderes Públicos, principalmente da polícia. Muitas pessoas são consideradas semi-cidadãs. Para uma minoria elitizada, é possível viver em um espaço no qual as outras pessoas são encurraladas como animais. Tudo está bem, desde que “eles” não surjam em rolezinhos no shopping, nos aeroportos ou em viagens para fora do país. Podem existir, desde que não circulem e não apareçam muito. Afinal, o “outro” incomoda.

Com a pandemia do Covid-19, foram expostas as nossas desigualdades. Trabalhadores(as) podem pegar ônibus lotados, se expondo diariamente a risco de vida pelas grandes chances de contaminação. Há completo descaso com milhões de pessoas, inclusive por parte das maiores autoridades públicas. Entretanto, outro futuro é possível, fruto de muitos debates e de disputas políticas por uma sociedade mais justa e, para isso, é necessário combinar pensamento e ação, pessoas e instituições (especialmente, políticas públicas). Só assim será possível fomentar uma sociedade de pessoas que se reconheçam, reciprocamente, como livres e iguais.

José de Macedo

Advogado
Doutor em Direito
Professor de Direito no Instituto Federal do Paraná
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