***Vol. 2, Nº 010 / 2021 - 24/02 (DOENÇA) *Cultura João da Costa

O Pulso Ainda Pulsa

João da Costa

Doença: alteração biológica do estado de saúde de um ser (homem, animal etc.), manifestada por um conjunto de sintomas perceptíveis ou não; enfermidade, mal, moléstia ou alteração do estado de espírito ou do ânimo de um ser – a partir desta definição, então, o que podemos entender? Células nostálgicas compõem o corpo social, com os seus átomos entrando em colapso – e, ainda assim, como já dizia Arnaldo Antunes, “o pulso ainda pulsa”. Sim, um hino às doenças, em uma celebração das moléstias do corpo, pois hoje a alma apodrece mais rapidamente que a carne. Sinto as minhas palavras adoecendo também, pois são ditas por um cérebro em decomposição. São anêmicas, já não mostram o vigor de sua juventude, de signos e significantes tão bem construídos. A gramática chega a ter compaixão delas, e não as polícia mais como antes; idosas, já não respondem aos seus crimes, nem dos assassinatos lexicais, nem do próprio suicídio sufixal.

A pandemia do Corona foi só a manifestação de nossa doença na alma, já em nós durante anos de ignorância e negligência. Sempre soubemos o que estávamos fazendo conosco, uns com os outros e com o planeta Terra; e, ainda assim, deixamos a tudo e a todos doentes, até o ponto em que algo finalmente teve que se manifestar, um Big Bang microscópico, gerador de um caos viral. Todos se viram doentes, e adoecendo a quem mais amavam, como um Rei Midas da decomposição orgânica, que a tudo que toca destina a morte. Nos tornamos o próprio cavaleiro do Apocalipase, a “Peste”, de quem tanto ouvimos nas aulas de catecismo ou nas escolas dominicais.

Se existe mesmo, como cantava Lulu Santos, “para todo Mal, a Cura”, então ressuscitaremos, ressurgiremos das cinzas renovados… A doença pode ter transformado corpo e alma, purificando com fogo os nossos corações. Os arrebatados, os que se foram, morrerem, desencarnaram – enfim, não importa o vocábulo utilizado – foram os bodes expiatórios para nossa redenção. Como cordeiros imolados, em sacrifício para que uma vez mais sobre esta Terra se fizesse sentido a palavra “amar” – e este sentimento, meus queridos, sempre será a vacina tão esperada e, cá entre nós, esta nunca será para todos.

João da Costa

Letrólogo
Professor do Governo do Estado do Paraná
Autor do Livro Infanto-juvenil “Sete Ponteiras da Verdade”
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