Temos um militar no comando do Ministério da Saúde desde maio do ano passado, o que me lembra da única vez que entrei no Ministério da Aeronáutica em Brasília. A cena nunca saiu da minha cabeça: foi em 1993, eu tinha 18 anos e estava me inscrevendo no cursinho pré-vestibular (com a intenção de tentar vestibular para cursar jornalismo) e fui visitar o prédio, a convite de um parente. Na primeira sala que paramos havia um grupo de homens, na faixa dos 40 anos, sentados em mesas com computadores. Em 1993, haviam poucos computadores no Brasil. Para se ter uma ideia, na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), onde estudei por quatro anos, usávamos máquinas de escrever para transformar os relatos em reportagens. Em Brasília, porém, no Ministério da Aeronáutica, cada homem tinha seu computador.
O que me chamou a atenção foi o fato de olhar para aqueles homens, sentados em frente aos computadores, e ver as telas verdes com cartas de baralhos enfileiradas. Achei estranho que todos os computadores tivessem a mesma imagem. Era perto das onze horas da manhã. Claro que aquilo não me parecia ser nenhuma estratégia militar, né? Eles estavam jogando “paciência”, aquele jogo criado pela Microsoft em 1990 que é considerado um dos mais jogados na história. Saí de lá tão irritada e indignada que nunca mais esqueci da cena. Homens jovens, remunerados pelos brasileiros, vivendo em Brasília com ótimos salários e jogando “paciência” no horário de trabalho. Talvez hoje estejam, também, bebendo latas e mais latas de leite condensado?
Nestes dois últimos anos, esta cena voltou diversas vezes à minha mente. Enquanto temos milhares de pessoas morrendo de Corona, o nosso Ministro da Saúde me lembra um daqueles militares, dos mais altos escalões, jogando “paciência” enquanto a vida segue, lá fora, impacientemente.
Jornalista
Mestre em Comunicação e Linguagens
Professora de Jornalismo na Universidade Positivo
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