Neste ano intragável, assistindo algumas entrevistas, ouvi algo libertador de uma psicanalista maravilhosa: “a minha infância passou, eu cresci e me libertei!”. Deliciada com essa fala, não me senti mais “a desajustada” que quer voltar à adolescência, ou falar do passado. Evito pessoas que aparecem do nada (“das trevas”, eu acho), e que vem com o “como antigamente”, ou “lembra que a gente fazia?”. Não lembro, não quero lembrar – não preciso lembrar.
Não tenho nenhum problema com o meu passado, mas sou torturada diariamente por não sentir saudades dele. Não querer ver fotos antigas é uma ofensa, das maiores, que pratico às pessoas a minha volta; àquelas que estão nas fotos em preto e branco, ou nos cabelos estranhos de topetes duvidosos. Deveriam deixar o meu passado aos meus cuidados, mas me envolvem de todas as formas aos delas: fazendo crer, a elas, que tudo foi importante para mim também, e… Tem gente de todos os tipos.
Tem uns seis caras por aí que acreditam piamente serem o “homem da minha vida”, o único e verdadeiro amor que já tive. Cada um em seu tempo, cidade, país, cor, conceitos e preconceitos tão distintos, ainda “se acham” os melhores e insuperáveis no caminho que percorri. Lembram mais do que eu mesma do nosso primeiro, ou último encontro, confiam que a minha fala de amor foi única e exclusivamente para eles, e que tudo me faz sentido porque eles existiram em minha vida. O “mais maior de tudo” (precisa mesmo ser essa frase): se estou sozinha até hoje, com essa idade, é porque eles não me quiseram. Puta que pariu, mana, fala sério!
Tem também, recorrente agora, uma pessoa e o seu passado, que tolero diariamente (em um esforço necessário), porque faz parte da longa vida dela: o seu presente não é mais atrativo e, depois de viver mais de oitenta anos, ela não enxerga mais nada no futuro. Tal entendimento não é nada angustiante e, ela, não me exige cumplicidades, apenas olhos e ouvidos atentos e amorosos. Fica fácil.
Letróloga
Especialista no Ensino da Literatura Brasileira Contemporânea
Autora do Livro de Contos “Lascas Lascadas”
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