O ciclo do tempo – passado, presente, futuro – foi criado e, a partir dele, passamos a organizar dentro de nós a angústia da morte-vida. Talvez soe um tanto redundante dizer que o que temos é o que está passando agora, vibrando agora, onde está nosso corpo, nossa atenção e sensação. Boa parte de nossa angústia é o pensamento no futuro – enquanto estamos, estivemos e estaremos sempre presos à vida e ao corpo de agora. Um pouco pesaroso dizer que o futuro não existe, num momento em que estamos ávidos de novidade, quando não hesitamos em desejar aos que cruzam o nosso caminho as vibrações do ano novo que veio, que está aí, que virá. Mário Quintana já delineou: “a louca chamada esperança’’.
Viver com a expectativa no futuro é uma forma genuína, totalmente humana, de melhorar o “mal estar” do presente. Um prêmio de consolação por todos os desencantos que sofremos dia após dia, por todos os desejos não realizados, por todas as injustiças e por todas as amarras às quais estamos atados. Mais ainda, se sentimos prazer no agora, talvez sejamos interrompidos pelo pensamento de que devíamos estar fazendo algo mais “produtivo”. Até mesmo acamados pela lembrança de que o prazer acaba; porque, se sentimos desconforto, tristeza ou raiva, ao saber que eles também passarão, seria justificável o futuro chegar como o mensagem da paz interior.
Moldados pela construção cristã ancestral – filhos da culpa e do perdão –, sofrer agora é um sinal de que as chances de sermos felizes no futuro podem aumentar; afinal, estaríamos apenas pagando os nossos pecados. Na ânsia de esperar a nossa gratificação, ficamos com o pensamento no futuro e deixamos de habitar o corpo que a tudo recebe: frustração, ressentimento, prazer, alegria, amor e dor; porque é maravilhoso estar vivo, e é doloroso também.
A radical experiência de estarmos vivos nos põe o medo de viver, pois a vida é tudo o que nos chega, das sensações mais palpáveis àquelas mais esdrúxulas. É o que é, e passa. Assim, a natureza da vida segue seu caminho: existe para, então, não existir mais – tomando o necessário fôlego para nascer novamente, sempre fértil e sempre nova.
Musicista (violoncelista)
Ministrante de Cursos em Educação Musical
Idealizadora do “O Movimento do Som”
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