No livro “Fahrenheit 451” de Ray Bradbury, livros são queimados em um futuro distópico (opressor e totalitário); pois, é muito mais fácil convencer pessoas alienadas, sem ideias revolucionárias, a cumprirem os seus papéis no sistema vigente. Já em “O Conto da Aia”, de Margaret Atwood, eles foram banidos apenas para as mulheres, por elas serem a principal mão de obra precarizada (com menos direitos), mantida por meio do trabalho forçado da gestação e do parto. Se no primeiro, boa parte da sociedade está acostumada a não ler mais (pois, as tecnologias de som e imagem já teriam banalizado o esforço do hábito), no segundo, as mulheres estão saudosistas das narrativas que as mantinham vivas – ou seja, se uma sociedade esqueceu porque lia, a outra, ao lembrar, sente a dor das cicatrizes deixadas pela proibição.
Mesmo que tais livros tenham sido escritos em diferentes momentos do século XX, a história continua a se repetir, mesmo atualmente, fora da ficção. Em setembro de 2020 o escritor brasileiro Paulo Coelho (um dos mais traduzidos e vendidos no mundo) foi alvo de ataques, com vídeos de pessoas queimando alguns de seus títulos devido a críticas que fez ao governo de Bolsonaro. Independente de gostar ou não de sua literatura, o ponto indiscutível é que ela deveria se manter, muito além de quaisquer desejos piromaníacos.
A queima de livros é uma prática ideológica antiga, na ficção e na vida real; seja na biblioteca de Alexandria ou na Alemanha nazista, a destruição de textos escritos é um ato violento e colonizador. Que não precisemos fazer como os poucos leitores sobreviventes de Bradbury, que decoravam os livros para que não fossem esquecidos; e, muito menos, que não sejamos como as aias de Atwood, sem sentimento de futuro já que o seu passado foi apagado – devemos ser os que leem porque o livro, talvez, seja a única chama que ainda brilha no horizonte.
Mestre em Estudos Literários
Crítica de Cinema no Elviras (Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema)
Mediadora no Projeto Leia Mulheres
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