No portão de Auschwitz, um campo de concentração da Alemanha nazista, havia uma placa que dizia “o trabalho (te) faz livre”; e, talvez, não exista uma inversão mais sinistra ou, ainda, mais precisa – por estar estampada na entrada do que se tornou um monumento do terror que foi o século passado. Tanto o trabalho mencionado, quanto a liberdade à qual ele se referia, significavam algo muito diferente da dignidade normalmente associada ao primeiro, e ao bem estar associado à segunda.
O que já era perverso ao extremo, ainda tem na ordem das coisas uma outra inversão, pois a formulação correta deveria ser: “a liberdade envolve trabalho”. Não se trata de fazer uma ode ao trabalho em si, pois ele vem carregado de nuances que vão do doloroso ao digno, do cansativo ao formador. Tanto faz. O ponto é que a liberdade pede trabalho e, então, a segunda inversão deve ser mais desmistificadora do que a primeira; a qual, por colocar o trabalho antes da liberdade, já “escondia” que se não houver liberdade, o trabalho é pura destruição, um mero consumo degradante do mundo. Mais importante, ela também escondia que a liberdade não se pede, impõe-se. Não há trabalho sem liberdade, há escravidão; e, portanto, não é o trabalho que deve estar no começo da frase, mas a liberdade!
A liberdade dá mesmo trabalho, e talvez seja o porquê instituições que exprimem liberdade (como a democracia) pedem tanta dedicação – e são, ainda, tão frágeis. Elas dependem, todas, da defesa constante daqueles que se pretendem livres, exigindo uma manutenção atenta e contínua. Em contrapartida, a força transformadora da liberdade é o que suporta o esforço de a manter. Por fim, se todo encantamento tiver o seu livramento, até mesmo o portão de Auschwitz (obviamente, traindo a sua vontade), deixa entrever o seu ponto fraco, ao permitir a reinterpretação: “de (tua) liberdade, faça (tua) luta”.
Filósofo
Doutor em Filosofia
Professor de Filosofia na Universidade Federal do Paraná
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