Existe, para mim, uma dicotomia no conceito de felicidade, que diz respeito a estarmos ou não sozinhos. De um lado, a vida privada, onde se você não for feliz com você mesmo, sem depender de ninguém, jamais o será ao lado de outra pessoa. Depender de outro – pessoa, animal doméstico ou planta – para algo que é fundamentalmente pessoal e individual é um erro crasso. Não posso atirar a primeira pedra: demorei muito a aprender algo tão básico. De outro lado, a vida em comunidade, onde não é possível ser feliz sozinho. O nome que se dá à possibilidade de plenitude sabendo que seu vizinho sofre é egoísmo. Quando Theodor Adorno nos lembra que “escrever um poema após Auschwitz é um ato bárbaro”, é, em parte, disso que ele está falando. Como pensar liricamente após testemunhar atos contra a humanidade?
Faço essa pergunta todo dia em que acordo em um país onde 30% da população defende um genocida. O que esperar de um país em que 51,2% da população (69,5 milhões de pessoas) não concluiu o ensino médio? Darcy Ribeiro tinha razão. A crise da educação no Brasil não é uma crise, é um projeto. Acrescento: um projeto bem sucedido. Entretanto, insisto. Continuo a escrever, a desenhar, a pintar. Paro para ouvir música e penso em como é bom ser brasileira e capaz de compreender versos como “jurei mentiras / e sigo sozinho / assumo os pecados”. Insisto não por descaso ou por suspensão da consciência, longe disso. Insisto por acreditar que ser feliz é um tipo de resistência política. Não há nada mais revolucionário do que um sorriso.
Artista Plástica e Escritora
Doutora em Educação, Arte e História da Cultura
Professora de História da Arte no Centro Universitário de Belas Artes de São Paulo
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