Talvez seu trabalho não seja fonte de realização – e tudo bem. Aparentemente, a cultura vigente pregou uma enorme peça nas pessoas: a fábula do “escolha um trabalho que você ama e nunca trabalhará um único dia”. Esta citação, atribuída a Confúcio – que se reviraria no túmulo, se em dois milênios e meio ainda fosse possível, por ter seu nome envolvido numa das mais sórdidas armadilhas do nosso sistema econômico – criou a conveniente ilusão de que poderíamos gerar renda e obter plena satisfação pessoal com um único movimento. Parece maravilhoso, não? Afinal, praticamente todos precisamos trabalhar. Não é um ponto muito passível de uma discussão prática; mas, sim, de trazer uma reflexão sobre essa “obrigatoriedade” de extrair sentimentos de realização da atividade laboral.
Se formos fazer uma análise criteriosa e despida de romantização, não será difícil constatar que ainda que você ame o seu trabalho, invariavelmente existirão partes desagradáveis envolvidas. Não tem muito como fugir, e assim é a vida. No entanto, também pode ser que o seu trabalho não traga nada além de renda. Dos trabalhos mais operacionais até os mais especializados, vemos nos settings terapêuticos pessoas que não encontram em suas práticas profissionais aquilo que faz os seus olhos brilharem. Por vezes, as pessoas se encontram mudando de área, em guinadas que muitas vezes exigem muita coragem e, obviamente, tem um preço – simbólico, financeiro, de tempo – considerável a ser pago. Para outros, porém, o que toca o coração está fora dessa esfera.
Eventualmente, esse lugar é conhecido: pode ser viajar, ter relacionamentos, criar filhos, viver experiências, ou qualquer outra coisa. O trabalho serve para pagar as contas e viabilizar esses momentos, e deveria estar tudo bem. Contudo, numa busca cega pelo combo trabalho+realização pessoal, as pessoas esquecem que sua razão de viver pode ser alheia à forma de se ganhar dinheiro, e que isto só se torna um sofrimento porque fomos ensinados a crer naquela citação que iniciou este artigo. Não precisa ser assim.
Psicóloga CRP 08/13.324
Especialista em Psicologia Clínica e Transtornos Alimentares e Obesidade
Coordenadora do Inst. de Pesquisa do Comportamento Alimentar de Ctba.
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