Lembro do meu pai comemorando o fim da ditadura militar em 1985, e do Impeachment do primeiro presidente eleito pelo voto direto em 1992; pois, foi nesse ano, que me vi perdidamente apaixonado por Heloisa. Eu a amava no sofá da sala, sob a luz azul do aparelho de TV. Ela tinha os cabelos loiros, era filha da alta classe carioca e esbanjava beleza e vivacidade. Heloisa era a personagem vivida por Cláudia Abreu na minissérie “Anos Rebeldes”, que narrava a luta contra o Regime Militar nos Anos de Chumbo. Me lembro de chorar copiosamente no último capítulo, no qual a minha heroína era abatida por um “meganha”. Foram semanas para elaborar o luto.
Há cerca de vinte anos, em um seleto grupo de jovens aspirantes a artistas – de pernas cruzadas, cachecóis enrolados em volta do pescoço, segurando altivos os seus cigarros e baforando a fumaça pela sala, ouvindo canções de Chico Buarque – eu, do alto da minha diletante e enfadonha burrice, proferi a seguinte frase: “precisamos de um ditadura para derrubar, quem sabe assim consigamos fazer arte de verdade novamente”. Em corpos ainda cheirando a leite, acreditávamos que éramos tão livres, que a liberdade nos limitava enquanto artistas; numa leitura imatura do mundo, buscávamos uma ideologia, algo por que lutar.
Ao escrever essa coluna, acompanho as notícias sobre a militarização das Escolas Públicas do Paraná (e o flerte, de uma grande parcela da nação, à nova onda fascista), e me pergunto: “por que a liberdade nos assusta tanto?” ou, ainda, “por que abrimos mão dela, assim, tão fácil?”. Eu não tenho as respostas, e não sei se alguém as têm. O que sei é que, hoje, posso rever Heloisa pelo YouTube – não mais com os olhos de um adolescente repleto de hormônios, mas com a angústia latente de que, ainda, não entendemos nada da nossa própria história.
Ator
Diretor de Teatro
Dramaturgo
Facebook / Instagram