Neste momento histórico, em que o “lugar de fala” provoca debates apaixonados (por especialistas e militantes), é preciso refletir sobre o “lugar de cala” ou, ainda, “de calamento”. A expressão “lugar de fala” é uma tradução livre do inglês “feminist standpoint”, conceito criado por autoras brancas ao defenderem uma epistemologia – ou seja, um jeito de entender as coisas – do ponto de vista feminino. A ideia era permitir às pesquisadoras dar legitimidade às suas vozes e às suas reflexões, já que a ciência sempre foi escrita por e para homens, partir do ocidente europeu. Na sequência, vários perfis de autoras não-brancas apontaram a falta da presença das vozes de mulheres pretas e subalternizadas, na academia e na sociedade. Os homens geralmente tiveram a garantia da defesa de suas ideias e, muito a partir do século passado, as mulheres brancas conquistaram algum direito; porém, as não-brancas, historicamente, sempre tiveram alguém que falasse por elas, tirando o seu direito de se expressarem livremente.
No Brasil, o termo tem sido usado como sinônimo para “autorização do discurso”, como se só algumas pessoas pudessem falar sobre determinados assuntos, a partir de um obrigatório pertencimento ao grupo sobre o qual se está falando; porém, é importante reconhecer que o “lugar de fala” tem mais relação com o ponto de vista de quem está falando – o qual, idealmente, deve ir muito além de sua posição social.
Como mulher branca e professora, em meus privilégios, tenho me dado a liberdade de apresentar e debater textos escritos por mulheres não-brancas, com as minhas turmas. Sei que não é mais do que a minha obrigação fazer isso; porém, se cedesse à pressão do “lugar de calamento” – em que só mulheres negras podem falar sobre o feminismo negro –, teria negado aos meus alunos a oportunidade de ouvirem as vozes de tantas mulheres, até então, silenciadas.
Jornalista
Mestre em Comunicação e Linguagens
Professora de Jornalismo na Universidade Positivo
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