***Vol. 2, Nº 009 / 2020 - 10/02 (SAÚDE) *Saúde Madelaine Silva

O Grito do Corpo

Madelaine Silva

25 anos. “Você tem cinco minutos. Se você não for para a UTI agora, você vai morrer”. Enquanto a médica falava esse amontoado de palavras eu tentava segurar qualquer coisa que estivesse ao meu alcance, para não fazer das palavras dela uma certeza: eu iria morrer porque meu cérebro tinha se transformado em uma bomba relógio, prestes a explodir, por conta de um AVC. Não tenho qualquer condição moral de falar da fragilidade da vida. Qualquer uma das sete e tantas bilhões de pessoas que existem hoje, neste pálido ponto azul que chamamos de lar, deve saber bem o que é acordar e não ter qualquer certeza sobre o futuro, sobre o dia de amanhã, ou o que virá depois que dobrarmos a esquina da nossa vida.

Mas tenho, para além dessa incondicionalidade, aquela sensação constante de que parte de viver é aproximar-se, a cada segundo, de uma não-vida. O que só se tornou parte de mim quando, naquele dia, descobri que aquela artéria poderia se romper e pôr termo ao que eu era e, ainda, poderia ser hoje. Nossos corpos são abrigos para a nossa existência. Tratá-los bem deve ser parte de nossa rotina – aceita-los, tanto quanto cuidá-los. Aceitar as suas falhas, esquisitices, também faz parte do processo de agarrar a vida em nossas mãos e, até, fazer um carinho nela; porque, às vezes, é só disto que ela precisa.

Nosso corpo falha. O meu, aos 25, gritou comigo e falou “olha aqui, eu não tô bem não e, se eu desistir, já era”. Ouvir este grito me custou anos de terapia mas, se eu não tivesse mesmo ouvido o que o meu corpo queria dizer, talvez a surdez me custasse a vida. Cuidar do corpo, fazer carinho nele, fala mais sobre o que não queremos do que sobre aquilo que realmente precisamos e desejamos. Só quando entendemos, é que realmente fica mais fácil atrasar o tic-tac do relógio, que nos aproxima o tempo todo para o abismo de nossas vidas. Tal abismo, porém, é diferente daquele de Gilgamesh – não te olha de volta, simplesmente porque você não está mais lá para ser olhado.

Madelaine Silva

Filósofa
Especialista em Sociologia Política, e em Gênero e Diversidade
Escritora
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