Seja em lives no Instagram, ou programas jornalísticos, onde repórteres, comentaristas e pessoas em geral estão em suas casas, estantes cheias de livros ilustram os planos de fundo. Há sempre um desejo de dar um zoom, só para saber o que as pessoas guardam em suas bibliotecas – um vínculo afetivo com quem está falando. Por isso mesmo, sem muito esforço, um meme já vem completo: o ministro da economia Paulo Guedes, durante uma live em maio, aparece com uma estante vazia e escura ao fundo. Apesar da imagem deprimente, ela denuncia o oco de ideias e fabulações do governo de Bolsonaro. No final da década de 1980, o crítico literário Antônio Cândido disse – em uma fala intitulada “Direito à Literatura” –, que todas e todos têm o direito à fabulação.
São inúmeras as razões para se ter direito ao acesso à literatura e à imaginação, mas essa é a que mais toca quando penso na ausência de livros na estante do ministro; principalmente, quando estes são recursos de coletividade durante uma pandemia que exige o distanciamento social. Esse mesmo homem, sem livros, dois meses depois anunciaria um projeto de reforma tributária que afeta diretamente o mercado editorial, abrindo uma brecha legal para taxação do livro, ao o tornar mais caro e inacessível. Quando deputado, o escritor baiano Jorge Amado ajudou a conquistar o direito de o livro ser um produto isento de impostos, proteção que foi mantida em 1988.
Alegando ser um produto apenas para a elite, Guedes não taxa fortunas, mas quer taxar o direito à fabulação de um povo cheio de histórias que, depois de muita luta para erradicar o analfabetismo, está aprendendo a guardá-las em suas estantes. Defender o livro também é defender a democracia e o direito de pensar outras possibilidades de futuros; principalmente, aqueles não tão desesperadores de estantes vazias.
Mestre em Estudos Literários
Crítica de Cinema no Elviras (Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema)
Mediadora no Projeto Leia Mulheres
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