***VOL. 2, Nº 012 / 2021 – 24/03 (IGNORÂNCIA) *Sociedade Sandra Nodari

Doutora Carolina Maria de Jesus

Sandra Nodari

Carolina Maria de Jesus agora é Doutora. O título de doutora honoris causa foi concedido pela Universidade Federal do Rio de Janeiro à autora de “Quarto de Despejo: diário de uma favelada”, lançado em 1960. O livro foi traduzido para 13 idiomas e vendido em 40 países. Carolina estudou por apenas dois anos, mas era uma escritora nata. Escrevia sobre a vida na favela, que era marcada pela fome e por tantas dificuldades: “e haverá ‘espetáculo’ mais lindo do que ter o que comer?”.

Audálio Dantas foi o jornalista que se interessou por conhecer os seus diários e publicá-los. Ele editou o texto, mas sem mudar a forma como ela contava as suas histórias. Conta que mexeu na pontuação e em algumas palavras cuja grafia poderia levar à incompreensão da leitura, mas deixou o texto como foi escrito. A sabedoria de Carolina, ao falar sobre a fome e a vida na favela, ajuda a quem ainda não compreende as críticas de autoras como Gayatri Spivak e Grada Kilomba – pessoas que falam por mulheres marginalizadas. O lugar de fala de Carolina é dela, nenhuma outra pessoa poderia falar por ela. A leitura de sua obra deveria ser obrigatória em países que aceitam conviver com pessoas passando fome, como o Brasil – atualmente, o segundo pior do mundo em distribuição de renda (ONU, 2019).

Em 20 de maio de 1958 Carolina escreveu: “a democracia está perdendo os seus adeptos. No nosso ‘paiz’ tudo está enfraquecendo. O dinheiro é fraco. A democracia é fraca e os ‘politicos fraquissimos’. E tudo que está fraco, morre um dia”. Ela previa a história da frágil democracia brasileira, e militava pelo orgulho de ser mulher negra: “esquecendo eles que eu adoro a minha pele negra, e o meu cabelo ‘rustico’ […;. Se é que ‘existe reincarnações’, eu quero voltar sempre preta”.

Mulher sábia que morreu pobre, em 1977, vivendo em um sítio na periferia de São Paulo, mas que deixou uma obra tão atual quanto necessária de ser lida hoje, por todos nós, às vezes ainda tão ignorantes.

Sandra Nodari

Jornalista
Mestre em Comunicação e Linguagens
Professora de Jornalismo na Universidade Positivo
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