***Vol. 2, Nº 007 / 2020 - 12/01 (FUTURO) *Comunicação Letícia Herrmann

Discursos Publicitários e a Esperancização do Futuro

Letícia Herrmann

A passagem de ano representa um marco temporal para muitas pessoas, pois crenças e costumes fazem-nos mergulhar em um universo que, magicamente, pode ser transformado pelo novo ano, com um pensamento associado com a positividade e a melhoria. Grande parte deste discurso é disseminado progressivamente pela publicidade, que mostra em seus anúncios abraços e comemorações rumo a um período promissor cheio de esperança. Neste último ano, bastante atípico – que escancarou, demasiadamente, a fragilidade humana (ao nos manter em uma espécie de prisão domiciliar coletiva, sem antecedentes) –, o discurso associativo entre futuro e esperança torna-se ainda mais evidente no storytelling da publicidade.

A marca Havaianas trouxe a mensagem de “um 2021 mais colorido e esperançoso”, a Vivo a “esperança das relações sem tela” e, o Bradesco, que mesmo sem citar a palavra explicitamente, incorpora o sentimento na mensagem “volte a brilhar”. De onde vem esta abdução do “sentimento”, como um potencial persuasivo publicitário? No dicionário temos as seguintes definições: “sentimento de quem vê como possível a realização daquilo que deseja; confiança em coisa boa; fé”. O sentimento é a racionalização de uma emoção que, por sua vez, é algo neuroquímico e de base biológica, presente na natureza humana de modo incontrolável. É algo bastante relativo e individualista e, embora possa ser também algo coletivo, não é este o foco dado pelos discursos publicitários.

Nossos desejos são voltados ao que acreditamos, ao que para nós é considerado positivo, ao que nos favorece; pelo que, a publicidade se apropria do conceito “esperança”, já que ele é extremamente subjetivo e manipulável. Sei que há uma distorção da visão genuína do que entendemos como esperança, algo melhor, mas naturalmente pensamos na esperança de coisas que melhoram nossa relação com o mundo e para com o outro, nos colocando no centro do movimento do futuro.

A publicidade quer vender, e o futuro geralmente está associado com a melhoria de um cenário, com uma nova oportunidade; consequentemente, a “esperança” – sentimentalizando as nossas emoções –, tornou-se a peça chave para a criação deste imaginário futurístico comercial, colocando as empresas patrocinadoras como “personagens ativistas” na construção de um mundo melhor.

Letícia Herrmann

Publicitária
Doutora em Comunicação e Linguagens (pós-doutorado na mesma área)
Professora de Comunicação Institucional na Universidade Federal do Paraná
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