A criação não é algo que existe unicamente a partir de mim mesma, mas é algo que nasce do jogo entre o que sou capaz de perceber em mim, e nos outros; do que me atravessa no ambiente múltiplo que me cerca. Não fomos pegos de surpresa com esta pandemia, acredito que sabíamos – em algum lugar escondido, talvez –, que os excessos de violências trariam a calamidade. A manutenção da vida, em si mesma, não pode com a irresponsabilidade do consumo, do lucro a qualquer preço, do patriarcado, do abismo da desigualdade social, étnica e cultural.
A prosperidade e a fartura são multidirecionais, pois dependem de uma engrenagem requintada, de uma malha coletiva e complexa formada de milhares de espécies de plantas e animais, de condições ambientais – pois a ciência nos mostra que a vida humana não existe sozinha, mas em relação com as outras vidas. Manifesto a potência do meu ser no mundo porque sustendo a imensidão de aspectos e sonhos que me compõe e, também, a que compõe o outro; perceber que eu influencio o outro, tanto quanto o outro me influencia, me faz agente responsável da transformação do mundo.
Proponho, assim, abrirmos os poros da nossa pele para perceber, ver, ouvir e tocar o que a vida nos traz, nos tornando criadores de um sonho coletivo; a vida só é possível se nos deixarmos atravessar, nos envolvendo nos mergulhos de fora pra dentro, e de dentro pra fora. A sua experiência é subjetiva e intransferível, mas o espaço da pele que se comunica sempre poderá ser ampliado pelo que se relaciona, que olha para a necessidade além daquela que há para dentro de si mesma. É nesta atenta possibilidade de adaptação – da minha necessidade, com a necessidade do outro – que enfrentaremos todo o tipo de sensação que nos permeia: azeda, pontuda, áspera e desafiadora.
Musicista (violoncelista)
Ministrante de Cursos em Educação Musical
Idealizadora do “O Movimento do Som”
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