Falar sobre igualdade num momento como o que vivemos em nosso país – deixo o mundo pra depois – parecia complexo demais, afinal temos pessoas sem água, luz e comida em plena pandemia. Jovens negros sendo mortos diariamente, corrupção e dinheiro escondido na bunda, milicianos no poder (Marielle Presente); mas, aí, chego a 13,1 milhões de desempregados e me dou conta da desigualdade sistêmica entre homens e mulheres na vida profissional.
Imediatamente me lembro da “festa com o ‘John’”, onde ouvi pela primeira vez, numa empresa, um homem dizendo que a desigualdade naquele lugar era absurda e deveria mudar. Na confraternização, o gringo pedia ao RH uma lista de quem deveria ser convidado. Todos eram escolhidos a partir do nível da função, que deveria estar acima do 24 (juro!). Previsivelmente, todos homens, entre diretores, gerentes e alguns supervisores. As poucas mulheres que estavam lá eram as suas secretárias – e eu, voluntária de um instituto que os ingleses administravam em Curitiba. A bebedeira corria solta quando ele subiu ao palco, pegou o microfone e anunciou sua tristeza em constatar que aquela festa estava errada, porque para ter mais colaboradoras (supervisoras e assistentes) teria sido preciso baixar ao nível 21. O que o deixava tão verdadeiramente constrangido, que prometeu a todos que faria “uma grande mudança”.
Saí animada mas, pouco tempo depois, ele retornou à Inglaterra e, passados oito anos, o progresso na inclusão – como o RH passou a chamar a “igualdade” –, respeitava uma fila: primeiro, gay (“homem-discreto-gay”, poc ou sapa nem pensar!); segundo, homem negro (mulher negra nem pensar!); e, terceiro, homem com deficiência física… Só em quarto, a mulher. Houve uma alternância entre os três primeiros lugares, mas a mulher nunca passou do quarto – releia a última frase, o trocadilho… Ele não é infame, mas triste e injusto e, infelizmente, ainda constante em nossa vida profissional.
Letróloga
Especialista no Ensino da Literatura Brasileira Contemporânea
Autora do Livro de Contos “Lascas Lascadas”
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